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domingo, abril 21, 2024

PROJETOS PARA FEIRAS DE CIÊNCIAS DE 2024


Hora de começar a pensar nos projetos para as feiras de Ciências e Tecnologias de 2024. Estamos aí prontos para uma curadoria de projetos. Minha expertise se fundamenta na orientação de mais de 1000 projetos de alunos em minha carreira de professor no CEFETMG. Escolas e professores interessados em uma consultoria podem entrar em contato através do e-mail pcventura@gmail.com. Várias escolas onde dei oficinas de desenvolvimento de projetos receberam premiações nas feiras em que participaram, algumas até foram premiadas em feiras internacionais.

Que tal começar a pensar nos problemas de sua comunidade e sugerir soluções possíveis?


terça-feira, setembro 26, 2023

IMAGIÁRIO TECNOLÓGICO NA CARTA DE CAMINHA - PARTE II

Paulo Cezar S. Ventura

 

PARA SE PERDER NO MAR

Objetos para se perder no mar:

bússolas para desorientações acidentais;

velas para se agarrar aos ventos;

cordas para se amarrar em estrelas;

olhos para terras que não se avistam

nos horizontes perdidos das navegações.

 

Na parte I desta crônica[i] afirmei que escolhi dois modos de leitura da Carta de Pero Vaz de Caminha, considerada como literatura de informação. E esses dois modos de leitura levantaram quatro temáticas sobre as quais pesquisas podem ser feitas. Nesta segunda parte irei colocar mais alguns pontos destacados em minhas leituras e irei tecer mais comentários, físico que sou por formação acadêmica, sobre as questões de medida de espaço e tempo na Literatura. Retomando as quatro temáticas:

1.    História das técnicas náuticas portuguesas e europeias:

O Infante Dom Henrique reuniu em Sagres toda sorte de viajantes conhecedores de Astronomia, Cartografia e Náutica, desde judeus cristãos novos, comerciantes árabes, cavaleiros do templário expulsos da igreja católica, a navegadores de várias nacionalidades. E inventores. Ele conseguiu esse feito em momentos críticos de xenofobias, racismos diversos, caças às bruxas e Inquisição. E eles se baseavam em uma obra didática recordista de utilização em todos os tempos, que atravessou séculos. O livro de Johannes de Sacrobosco, publicado na segunda metade do século XIII, Tratatus de Spherae, teria tido uma influência muito grande entre os navegadores. Isso aliado ao conhecimento técnico dos regimes de ventos e das correntes marítimas, deu mais segurança às navegações.

2.    Filosofia das técnicas naquele momento histórico:

A carta de Caminha narra com detalhes os acontecimentos desde a saída da frota de Portugal até o dia de partida das terras brasileiras. Seu relato é minucioso, tem o talento descritivo de um etnógrafo. Como literatura de informação, a carta não é pródiga em metáforas, o que a diferencia de textos literários, mas está plena de suposições e de crenças de seu autor, deixando claro seu pensamento aristotélico, pensamento vigente na época, claro, além de sua filosofia cristã ao interpretar todos os gestos da população local como esvaecida de espiritualidade, quase como animais e que, portanto, estavam habilitadas a se cristianizar bastando, para isso, que o rei de Portugal enviasse padres e clérigos para a catequese desses.

3.    Semântica das palavras usadas na Carta

Uma interessante curiosidade do relato é que, em dado ponto, Caminha afirma que os nativos levavam nas mãos seus “cascavéis”. Ora, a cobra cascavel era desconhecida dos portugueses. De onda a palavra? Trata-se, na verdade, dos chocalhos indígenas, que em Calecute, destino final de Vasco da Gama, chamavam-se “cascavéis”.

4.    A questão das medidas de espaço e tempo na história das ciências

O Tempo não ocupa lugar no Espaço.
Se tens Tempo, tens Tempo,
não um lócus cartesiano.

 

Observa-se, na Carta, que Caminha não usa medida de tempo para se referir a um deslocamento do navio, sempre uma medida de distância. Por exemplo, em dado momento Caminha[ii] relata que “andamos todo aquele dia em calma, obra de três a quatro léguas”. Medidas de tempo, na época, eram feitas através de ampulhetas, relógios de areia que, a cada meia hora se esgotavam e deviam ser invertidas. Essa medida com a ampulheta era combinada com a observação do movimento do sol, quando possível. A inexistência de medida de tempo com mais precisão dificultava as medidas de posição no mar, mais exatamente as medidas de longitude, pela necessidade de se conhecer as horas em diversos locais diferentes, o que só veio a ocorrer com a invenção do cronômetro em 1735, por John Harrison, vencedor de um concurso lançado pelo parlamento inglês em 1714. Era natural, portanto, que as medidas de tempo e espaço se superpusessem.

O tempo sempre esteve presente, de forma implícita ou explícita, em todas as narrativas literárias. E as narrativas são influenciadas pelas definições e entendimento das medidas de tempo nas ciências físicas. Zigmunt Baumman[iii], por exemplo, afirma que a substituição das medidas de espaço por medidas de tempo, são um marco da modernidade. O que nos permite remeter à data de 1735, com a apresentação do cronômetro H1, de John Harrison. Seria esse o início dessa modernidade “líquida”, como sugere Baumman? E tudo muda de novo com o advento da Física Quântica, que volta a considerar as medidas de tempo e espaço interligados. E como fica o tempo, hoje, nas narrativas literárias?

“O tempo que eu hei sonhado

Quantos anos foi de vida!

Ah, quanto do meu passado

Foi só a vida mentida

De um futuro imaginado!

(Fernando Pessoa)



[ii] CAMINHA, Pero Vaz de. A Carta de Pero Vaz de Caminha: reprodução fac-similar do manuscrito com leitura justalinear. São Paulo: Humanitas, 1999

[iii] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.  

segunda-feira, outubro 18, 2021

Imaginário Tecnológico na Carta de Caminha – Parte I

Paulo Cezar S. Ventura


OLHAR ESTRELAS
Olhar estrelas: hábito útil
para orientar o rumo da singradura
ou simplesmente namorar
quando o mar não está para peixe.


Uma das formas de se buscar o conhecimento científico e técnico de certa época e determinada sociedade é através da literatura, pesquisando essas informações nas entrelinhas da narrativa literária. Já afirmei em texto anterior[i] que, em Os Lusíadas, publicado em 1572 por Luiz Vaz de Camões, encontramos vários versos concernentes a referências de eventos astronômicos do Hemisfério Sul.

O meu interesse em estudar a presença da Ciência, Tecnologia e Técnica na literatura vem desde minhas leituras da obra do escritor João Guimarães Rosa, pela riqueza de sua narrativa da natureza, da água e das estrelas do sertão de Minas Gerais. E a leitura do livro A Astronomia em Camões[ii], só veio corroborar meu interesse em ler as obras literárias de vários autores sob uma perspectiva diferente. Justamente a perspectiva de procurar, nessas narrativas, citações, explícitas ou não, de referências à Ciência, Tecnologia e, principalmente, às Técnicas enraizadas na cultura popular de uma época, que poderiam estar presentes nessas obras de escritores não especialistas.

E uma vez que a Carta de Caminha[iii] foi a primeira obra (literatura de informação) escrita no Brasil, a ideia de começar esta busca pela narrativa de Pero Vaz de Caminha foi uma justificativa ao menos motivadora.

Escolhi dois modos de leitura da Carta. Uma leitura focalizando palavras que remetem a informações sobre as técnicas de navegação e sobre as medidas de espaço e tempo através da Cartografia e da Astronomia; uma busca e leitura das referências literárias concernentes à historiografia e à filosofia das técnicas naquele momento histórico. A leitura, considerando a Carta de Caminha como literatura de informação, nos remete a uma série de relações entre os homens da época e suas percepções sobre a ciência e a técnica como as medidas de espaço e tempo, localizado na necessidade de buscar, armazenar e negociar novas mercadorias, e no imaginário cristão que considera o domínio do homem sobre a técnica.

(IM)POTÊNCIA

Homem sobre máquina
pensa ter dela a potência:
engana-se. Em imprudência,
perde-se na esquina

da vida, traquina.
Fica a máquina, que o domina.

 

Esses dois modos de leitura levam a quatro, ou mais, temáticas de pesquisa possíveis. Como não estou a escrever um relatório, apenas uma crônica, vou me ater a algumas curiosidades interessantes, a meu ver, nestas quatro temáticas.

1.      História das técnicas náuticas portuguesas e europeias – com uma quantidade enorme de publicações, sejam artigos ou livros, em várias línguas, enaltecendo a inteligência portuguesa no que se refere às navegações, tanto do ponto de vista técnico (construíram as caravelas que podiam navegar contra os ventos), quanto do ponto de vista político.

2.      Filosofia das técnicas naquele momento histórico – a Carta foi escrita em um momento importante da navegação portuguesa por vários motivos.  Um deles é que se iniciava, não apenas em Portugal, um movimento de distanciamento do saber técnico em relação ao saber científico. Os astrônomos, que calculavam os meridianos e escreviam as cartas náuticas se ressentiam das críticas dos marinheiros e pilotos.

3.      Semântica das palavras usadas na Carta - seguindo o critério de busca encontramos várias palavras que fazem referência a técnicas náuticas, a profissões existentes na área e outras palavras referentes à navegação em si, como: marinhagem, singraduras, ancoragem limpa, fazer vela, amainar e, ainda, a expressão “seguir de longo” referindo-se a um movimento para frente, diretamente.

4.      A questão das medidas de espaço e tempo na história das ciências –observa-se que Caminha nunca usa medida de tempo para se referir a um deslocamento do navio, sempre uma medida de distância. A inexistência de medida de tempo com mais precisão dificultava as medidas de posição no mar, mais exatamente as de longitude, pela necessidade de se conhecer as horas em diversos locais diferentes.

 

Na parte II desta crônica escreverei um pouco mais sobre essas quatro temáticas acima, trazendo dados interessantes em como a História da Ciência e das Técnicas lidam com a questão das medidas de espaço e tempo, exatamente por serem cruciais ao desenvolvimento científico. Escreverei um pouco também como as questões filosóficas dessas medidas aparecem na literatura de várias épocas.

Nem fim da história
nem fim da geografia,
apenas tempo e espaço.




MOURÃO, Ronaldo R. de Freitas. A Astronomia em Camões. RJ:Lacerda, 1998.

CAMINHA, Pero Vaz de. A Carta de Pero Vaz de Caminha: reprodução fac-similar do manuscrito com leitura justalinear. São Paulo: Humanitas, 1999.

CIÊNCIA E POESIA: UMA CONEXÃO POSSÍVEL

Paulo Cezar Santos Ventura

 

SOPRO

Um sopro e uma asa
mantém um avião no ar;
um sopro e uma vela
mantém um barco no mar;
um sopro e uma chama
faz minha vida se incendiar.

Quando fui prestar o vestibular eu mantive uma dúvida atroz até o momento final de assinar a ficha de inscrição: a qual curso superior eu me candidataria? Isso em mil novecentos e setenta, para entrada em setenta e um. E o porquê da dúvida?

Eu era apaixonado por Matemática e Física. Admirava ferozmente a Geometria Euclidiana, uma obra de arte para mim. Claro, ela axiomatiza sobre curvas e retas, ângulos e polígonos, pura beleza.

Por outro lado, eu era o letrista de um grupo de seresteiros da cidade onde morava. Conseguimos até emplacar músicas em alguns festivais de cidades do interior de Minas Gerais. E escrevi também algumas peças de teatro, comédias, que eram encenadas nos intervalos dos festivais.

A dúvida só foi resolvida na última hora. Entre a Ciência e as Letras venceu a Ciência. Assinei a ficha de inscrição para o vestibular com a opção para Física. Só que não parei de escrever, nunca parei.

Com esse preâmbulo volto à questão título: há uma conexão possível entre Ciência e Poesia? Como uma pode influenciar a outra? Quando escrevo “poesia” poderia estender um pouco mais a pergunta e questionar: pode a Literatura influenciar cientistas em suas abordagens teóricas e práticas?

Segundo o escritor e astrônomo brasileiro Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, recentemente falecido, “O melhor método para conhecer a cultura científica em determinada época é estudar as obras literárias e/ou publicações não especializadas que se utilizavam do conhecimento científico ensinado nas universidades naquele período”. E ele escreve isso em seu livro Astronomia em Camões.  Nesse livro, ele acrescenta que o grande poeta português Luiz Vaz de Camões foi o primeiro escritor do hemisfério norte a descrever, em seus poemas, a constelação Cruzeiro do Sul, já que ele participou das navegações portuguesas no final do século XV.

“Já descoberto tínhamos diante

Lá no novo Hemisfério, nova estrela,

Não vista de outra gente, que, ignorante,

Alguns tempos esteve incerta dela.

Vimos a parte menos rutilante

E, por falta de estrelas, menos bela,

Do Pólo fixo, onde inda se não sabe

Que outra terra comece ou o mar acabe.”

(Camões, Os Lusíadas, canto v, estância 14)

 

Foram os livros do astrônomo e escritor Ronaldo Mourão (Astronomia em Camões), um outro de Charles Percy Snow, escritor e físico britânico e autor de As Duas Culturas e Uma Nova Leitura, além do escritor e físico argentino Ernesto Sábato (O Túnel), os primeiros a me mostrarem que Ciência e Literatura andam sempre de mãos dadas e contam histórias de entendimento do mundo em suas várias possibilidades.

E com relação à Poesia, particularmente? Há uma correlação possível entre ela e a Ciência?

A primeira cientista poeta que me vem à cabeça é Augusta Ada Byron King, Condessa de Lovelace, ou simplesmente Ada Lovelace (1815 – 1852). Ela se tornou conhecida por duas razões: era poeta e filha do poeta Lord Byron; era também matemática e foi trabalhar com outro matemático britânico, o Charles Babbage, inventor de uma máquina calculadora analítica. E Ada simplesmente criou o primeiro algoritmo da história, que seria capaz de fazer funcionar a máquina de Babbage. É, por isso, considerada a tataravó dos atuais programadores de computação. E ela escreveu, em cartas para seu pai, que a percepção das possibilidades da tal máquina fora provocada pela poesia.

Histórias à parte, essa proximidade entre Ciência e Poesia é bem mais antiga. Dante Alighieri retratava a cosmologia do universo ptolomaico em seus poemas. Francesco Redi escreveu poemas que partiam da observação dos fenômenos naturais. Redi foi um precursor do método científico usado por Galileu em suas descobertas e análises. E foi justamente a ciência empírica de Galileu que iniciou uma cisão entre os dois âmbitos culturais – o progresso das ciências e uma marginalização paulatina das artes. Aliás, Galileu inspirou Antônio Gedeão (pseudônimo do físico português Rômulo de Carvalho) a escrever Um Poema para Galileu. Apesar da cisão entre Ciências e as Artes ainda perdurar em algumas culturas o que vimos foi que, no entanto, cada descoberta científica, cada nova tecnologia surgida a partir de então, fez emergir novas formas linguísticas e novas metáforas largamente usadas pelos poetas. Ou seja, os poetas são loucos por ciências e tecnologias.

BICICLETAS

Ninguém se surpreende com as bicicletas
duzentos anos depois.
Mas quem explica, corretamente, 
como se equilibra
sobre suas duas rodas, em movimento,
e se desequilibra quando parada?

Na poesia brasileira, em particular, podemos ver isso em vários autores. Augusto dos Anjos fala de Química em seu poema Psicologia de um Vencido; Murilo Mendes escreve sobre o caos em seu triste poema Estudo para um Caos; Cecília Meireles também não fugiu a temas de Ciência em Máquina Breve; Gilberto Gil musicou o poema de Arnaldo Antunes chamado A Ciência em si; Manoel de Barros tem sua poesia pantaneira como ensinamento de Educação Ambiental nas escolas. E não posso deixar de citar o poeta Haroldo de Campos, em A Máquina do Mundo Repensada, de onde extraio esses versos a seguir:

 

“– einstein então encurva o espaço: menos

seguro fica o deus-relojoeiro

da clássica mecânica ou ao menos

desenha-se outro enredo sobranceiro

ao de newton: do espaço – qual sensório

de deus – de um absoluto-verdadeiro”

(Haroldo de Campos)

 

São muitos os casos, embora pouco divulgados e comentados, mesmo nas aulas de Português e Literatura, muito menos em aulas de Ciências. Muita pesquisa pode ser realizada neste universo das relações entre Poesia e Ciência, pois o conhecimento das Ciências, e de sua história, contribui para fruição estética de um poema. Foi assim no passado e continua sendo assim. Como escreveu Gaston Bachelard em A Poética do Devaneio, “nas horas de grandes achados, uma imagem poética pode ser o germe de um mundo, o germe de um universo imaginado diante do devaneio de um poeta”. Ou ainda Deleuze, em Dois Regimes de Loucos: “a filosofia cria conceitos, a ciência cria funções e a arte cria percepções e afetos”.

 

SÍNTESE

Síntese da vida
em quatro palavras:
duas variáveis físicas 
(tempo e trajetória);
duas variáveis metafísicas
(vontade e talento).
Todas sem controle remoto.

 

IA

Será, um dia,

A inteligência artificial

Capaz de escrever poesia?



 

 

DE KIPLING A GUIMARÃES ROSA



Paulo Cezar Santos Ventura

Lá pelos anos mil novecentos e noventa e qualquer coisa eu fazia parte da Comissão de Vestibular da Universidade Federal de São João del Rei, época quando lá trabalhava. Os professores da comissão tinham uma sala especial onde pensar e redigir as questões, uma sala secreta de onde nada saía. Um deles, professor de Matemática, solta essa frase um dia – O vestibular poderia ter prova apenas de português e redação. Mostrem-me uma pessoa que sabe ler, escrever e interpretar que eu ensino-lhe qualquer coisa. – Desde então tenho pensado nessa hipótese, que pode ser um exagero, mas tem também muito de verdade. E usei a literatura como complemento para as minhas aulas de Física. Exemplos: O Nome da Rosa, de Umberto Eco, e Sherlock Holmes, de Conan Doyle, descrevem métodos de investigação, comuns às Ciências; Os Lusíadas, de Luiz Vaz de Camões, descrevem, pela primeira vez na literatura universal, estrelas do hemisfério sul inexistentes no hemisfério norte; Zen e Arte de Manutenção de Motocicletas, de Robert M. Pirsig, que muitos pensam ser um livro técnico, é sobre uma filosofia de vida. 

Meu pai me ensinou a ler quando eu tinha cinco anos. Não tendo muito acesso a livros, ele era eletricista e lavrador, eu lia tudo que aparecia em minha frente: revistas, jornais, gibis e livros emprestados. No meu tempo de ensino primário e ginasial (nomenclaturas da época) não era comum, nas escolas de periferia, a solicitação de leitura por parte das professoras, além das cartilhas (muito boas). Eu, no entanto, fui picado pelo mosquito das letras e era um leitor tão voraz que meu pai desligava a luz da casa para que eu fosse dormir.

Lembro-me quando ele comprou uma enciclopédia chamada Tesouro da Juventude, com dezoito volumes, e eu os li do primeiro ao último. O Tesouro da Juventude era dividido em Livros, em todos os seus volumes. Um deles era o Livro da Poesia e o primeiro poema era SE, de Rudyard Kipling, escritor britânico nascido em Bombaim e Nobel de Literatura. A leitura foi tão impactante que passei a escrever poemas a partir de então. Meu caderno de poemas (que fim teve eu não sei) foi só crescendo em páginas e meu passatempo favorito era escrever poemas para as meninas do colégio (a timidez me impedia de entregar a elas). E os poetas passaram a fazer parte de minhas leituras de todo os dias: Drummond, Thiago de Melo, Rilke, Ferreira Gullar, Mário Faustino, Fagundes Varela, Mário de Andrade, Haroldo de Campos, Augusto de Campos e muitos outros, foram os poetas de minha juventude.

Além dos poetas devorei também cronistas como Rubem Braga e Pedro Nava, e romancistas como Machado de Assis, Lima Barreto, Fernando Sabino, Graciliano Ramos, Jorge Amado, para citar apenas alguns. E na adolescência e juventude, no auge da ditadura militar no Brasil, encontrei a contra cultura. E todas as artes do chamado underground passaram a fazer parte de meu repertório: o rock’n roll, os jornais Movimento e Versus, os cineclubes, Hélio Oiticica, Wally Salomão e Cacaso, Torquato Neto, Jorge Mautner, Tom Zé e Sérgio Ricardo, os Mutantes e Glauber Rocha.

Até que, um belo dia, caiu em minhas mãos um exemplar usado de Sagarana, de Guimarães Rosa. Não entendi patavinas. A linguagem do homem do sertão era muito distante do meu vocabulário. Pedi socorro a meu pai e ele começou a ler em voz alta o conto O Burrinho Pedrês e me explicar vários dos termos usados pelo autor. E como ele, um homem vindo da roça, filho de um tropeiro que poderia ter sido personagem de Guimarães Rosa se tivessem se encontrado, conhecia aquela linguagem? Meu aprendizado foi: a leitura vale um diploma. Ainda bem que dele herdei essa qualidade.

Toda essa abertura contando um pouco de minha história com a leitura e a literatura é para comentar a controversa frase de um famoso yotuber, muito querido pelas crianças e adolescentes: quarenta e um milhões inscritos em seu canal no Youtube, cento e quarenta mil curtidores de sua página no Facebook e mais de treze milhões de seguidores no Instagram, um fenômeno de fato. Segundo ele, os jovens não se interessam por literatura porque os professores os obrigam a ler Machado de Assis nas escolas, uma leitura muito difícil. Se problematizarmos a questão, o que não irei fazer, deixo apenas um comentário, muitas teses poderão ser escritas sobre o tema (certamente já existem).

Meu caro youtuber, se eu recomendava a meus alunos lerem livros de literatura e de divulgação científica para ajudá-los na compreensão das Ciências, porque os professores de Português e Literatura não podem recomendar (não obrigar) a leitura de Machado de Assis em suas classes, para ajudá-los na compreensão da vida? Se garotos e garotas ingleses são incentivados a ler Shakespeare; se os garotos e garotas espanhóis aprendem cedo a ler Cervantes; se garotos e garotas argentinos apreciam um Borges e sentem orgulho disso, porque nossos garotos e garotas não podem aprender a ler e amar Machado de Assis, autor brasileiro reconhecido no mundo como um escritor genial?

Sabemos que a estratégia dos professores da área, principalmente para os alunos do Ensino Fundamental, é seduzi-los através de procedimentos didáticos interessantes, como a contação de histórias, a teatralização, e outras técnicas de letramento. E hoje temos romances de nossos melhores autores em leitura comentada, em histórias em quadrinhos e em reescrituras dos clássicos adaptados para jovens. E essas estratégias passam também, e sempre, pela leitura de autores jovens, inclusive de youtubers que se comunicam muito bem falando a mesma linguagem fragmentada dos meninos e das meninas. Eles poderiam funcionar bem como escadas para se chegar aos Machados de Assis. Contribuindo com a formação de leitores e, melhor ainda, de leitores que escrevem, a próxima geração poderá conviver muito bem com Machado de Assis e Guimarães Rosa, como aconteceu comigo.

Nossa torcida é que a trajetória deles, que se inicia em mangás, quadrinhos e crepúsculos, chegue, “acredite se puder”, aos grandes clássicos da literatura. Devanear e acreditar, é possível.


sábado, fevereiro 24, 2018

OS JOVENS E A DIFÍCIL ESCOLHA DE CARREIRAS 8


8 – TRÊS REGRAS BÁSICAS PARA SE TER SUCESSO
Na literatura encontrada sobre o sucesso e como alcançá-lo os autores sempre escrevem sobre diversos procedimentos mentais e operacionais. Em geral, eles são coincidentes em um ponto: não se consegue o sucesso sem muito trabalho. Alguns chegam até a afirmar quantas horas de trabalho são minimamente necessárias para se chegar ao sucesso em qualquer atividade humana. Exagero ou não, o fato é que não se alcança o sucesso sem muito trabalho. Essa é a regra principal.
No entanto, os autores Fábio Paiva e Fernando Jucá, autores do livro “O Executivo que Gostava de Ler” (PAIVA e JUCÁ, 2009)[i], sintetizam as afirmações acima em três regrinhas básicas para se chegar ao sucesso. Mais que simplesmente regrinhas, eles afirmam que todas as pessoas entrevistadas por eles e que são bem-sucedidas em suas atividades, ou seja, as pessoas que "chegam lá" reúnem três características fundamentais, simples e diretas. São elas:
1.          Elas cultivam um sonho de longo prazo. Mesmo que não o atinjam, a perseguição desse sonho dá sentido à suas carreiras;
2.          Elas sempre têm uma missão clara. Mais conectada ao curto prazo ela se renova periodicamente. A missão explicita a existência de um objetivo definido, e o profissional sabe como atingi-lo.
3.          Elas transbordam energia, manifestada por suas fantásticas e incríveis vontades de tentar, de buscar e de aprender.
O que eles dizem acima é realmente simples. Se temos um sonho, queremos realizá-lo. Para atingi-lo precisamos ter metas claras colocadas em forma de uma missão a seguir. E, finalmente, traçar planos de ação, que são trabalhos cotidianos nos quais colocamos energia para que tudo se concretize.


[i] PAIVA, Fábio e JUCÁ, Fernando, O Executivo que Gostava de Ler. São Paulo: Nobel, 2009.


OS JOVENS E A DIFÍCIL ESCOLHA DE CARREIRAS 7


7 – QUATRO REGRAS PARA APRENDER FACILMENTE
Na escola, na faculdade e até mesmo no dia a dia, é comum nos depararmos com assuntos que não conseguimos compreender. Mas Richard Feynman (1918-1988), ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1965, garantia que existe uma tática simples que ajuda a entender qualquer tema.
Feynman sempre foi reconhecido por essa característica entre os colegas: ele tinha muito talento para transformar explicações de coisas muito complexas em algo simples e fácil de entender. Os livros de Richard Feynman, mesmo aqueles voltados para leitores especializados, tinham uma redação extremamente simples[i].
E seu entusiasmo para explicar os conceitos mais difíceis costumava contagiar quem estava por perto. O que Feynman defende em sua técnica é que existem dois tipos de sabedoria: a que é focada em saber apenas o nome de algo e a que é focada em de fato saber algo. A receita para a aprendizagem, segundo ele, é a última – e pode ser aplicada observando os quatro passos a seguir:
1.     Escolha um conceito – Qualquer um que preferir. Pode ser um de macroeconomia, economia doméstica ou qualquer coisa que vier a cabeça. Seja química ou culinária, ou primeiro uma e depois a outra. E anote o conceito – o mais importante aí é desenvolver o raciocínio.

2.     Escreva-o como se estivesse ensinando uma criança – Redija, então, tudo o sabe sobre esse conceito. Mas atenção: você precisa fazer isso da maneira mais simples possível. Escreva como se estivesse explicando para uma criança – ainda que isso pareça absurdo e desnecessário, é um passo muito importante. Assegure-se de que, do início ao fim, você esteja usando uma linguagem bem simples. Além disso, evite jargões e expressões prontas que partam do pressuposto de que você já sabe o conceito delas. Explique cada detalhe de tudo e não caia na tentação de omitir algo que, na sua visão, está subentendido.

3.     Volte no tema e pesquise sobre ele – No passo anterior, provavelmente você encontrou lacunas no seu conhecimento. Coisas que você esqueceu e que não conseguiu explicar. E esse é o momento em que você começa realmente a aprender. Volte à fonte de informações sobre esse tema e pesquise o que ainda falta entender. E, quando você achar que cada subtema está claro, tente escrever no papel a explicação para ele de uma maneira que até uma criança entenderia. Quando você se sentir satisfeito e estiver compreendendo tudo o que antes estava confuso, volte à redação original e continue escrevendo as explicações nela.

4.     Revise e simplifique ainda mais – Depois de passar por todas essas etapas, revise o que escreveu e simplifique. Certifique-se novamente de que não usou nenhum jargão associado com o tema que está te intrigando. Leia tudo em voz alta. Preste atenção para perceber se está tudo exposto da maneira mais clara possível. Se a explicação não for simples ou se soar confusa, interprete isso como um sinal de que você não está entendendo algo. Crie analogias para explicar o conceito, porque isso ajuda a esclarecer tudo na sua cabeça e é a prova de que você está realmente dominando aquele tema.

Como explica Richard Feynman, aprender significativamente um conceito requer apenas um pouco de trabalho que é o de redigir o conceito dentro do que se sabe sobre ele, depois pesquisá-lo para conhecê-lo ainda mais e tornar a redigir da maneira mais simples possível, como se estivesse explicando a uma criança.
Há duas operações cognitivas nesse procedimento que são referendadas por todos os teóricos da aprendizagem que conhecemos: a primeira é que aprendemos em cima daquilo que já sabemos e aprender é ampliar o conhecimento sobre o pouco que conhecemos; a segunda é que mostramos o que conhecemos e sabemos quando conseguimos explicar de uma forma tão simples que qualquer pessoa possa compreender, mesmo uma criança.