Paulo Cezar Santos Ventura
SOPRO
Um sopro e uma asa
mantém um avião no ar;
um sopro e uma vela
mantém um barco no mar;
um sopro e uma chama
faz minha vida se incendiar.
Quando fui prestar o vestibular eu mantive uma dúvida atroz
até o momento final de assinar a ficha de inscrição: a qual curso superior eu
me candidataria? Isso em mil novecentos e setenta, para entrada em setenta e
um. E o porquê da dúvida?
Eu era apaixonado por Matemática e Física. Admirava
ferozmente a Geometria Euclidiana, uma obra de arte para mim. Claro, ela
axiomatiza sobre curvas e retas, ângulos e polígonos, pura beleza.
Por outro lado, eu era o letrista de um grupo de seresteiros
da cidade onde morava. Conseguimos até emplacar músicas em alguns festivais de
cidades do interior de Minas Gerais. E escrevi também algumas peças de teatro,
comédias, que eram encenadas nos intervalos dos festivais.
A dúvida só foi resolvida na última hora. Entre a Ciência e
as Letras venceu a Ciência. Assinei a ficha de inscrição para o vestibular com
a opção para Física. Só que não parei de escrever, nunca parei.
Com esse preâmbulo volto à questão título: há uma conexão
possível entre Ciência e Poesia? Como uma pode influenciar a outra? Quando
escrevo “poesia” poderia estender um pouco mais a pergunta e questionar: pode a
Literatura influenciar cientistas em suas abordagens teóricas e práticas?
Segundo o escritor e astrônomo brasileiro Ronaldo Rogério de
Freitas Mourão, recentemente falecido, “O melhor método para conhecer a cultura
científica em determinada época é estudar as obras literárias e/ou publicações
não especializadas que se utilizavam do conhecimento científico ensinado nas
universidades naquele período”. E ele escreve isso em seu livro Astronomia
em Camões. Nesse livro, ele
acrescenta que o grande poeta português Luiz Vaz de Camões foi o primeiro
escritor do hemisfério norte a descrever, em seus poemas, a constelação
Cruzeiro do Sul, já que ele participou das navegações portuguesas no final do
século XV.
“Já descoberto tínhamos
diante
Lá no novo Hemisfério, nova
estrela,
Não vista de outra gente,
que, ignorante,
Alguns tempos esteve incerta
dela.
Vimos a parte menos
rutilante
E, por falta de estrelas,
menos bela,
Do Pólo fixo, onde inda se
não sabe
Que outra terra comece ou o
mar acabe.”
(Camões, Os Lusíadas, canto
v, estância 14)
Foram os livros do astrônomo e escritor Ronaldo Mourão
(Astronomia em Camões), um outro de Charles Percy Snow, escritor e físico britânico e
autor de As Duas Culturas e Uma Nova Leitura, além do escritor e físico
argentino Ernesto Sábato (O Túnel), os primeiros a me mostrarem que Ciência e
Literatura andam sempre de mãos dadas e contam histórias de entendimento do
mundo em suas várias possibilidades.
E com relação à Poesia, particularmente? Há uma correlação
possível entre ela e a Ciência?
A primeira cientista poeta que me vem à cabeça é Augusta Ada
Byron King, Condessa de Lovelace, ou simplesmente Ada Lovelace (1815 – 1852).
Ela se tornou conhecida por duas razões: era poeta e filha do poeta Lord Byron;
era também matemática e foi trabalhar com outro matemático britânico, o Charles
Babbage, inventor de uma máquina calculadora analítica. E Ada simplesmente
criou o primeiro algoritmo da história, que seria capaz de fazer funcionar a
máquina de Babbage. É, por isso, considerada a tataravó dos atuais
programadores de computação. E ela escreveu, em cartas para seu pai, que a
percepção das possibilidades da tal máquina fora provocada pela poesia.
Histórias à parte, essa proximidade entre Ciência e Poesia é
bem mais antiga. Dante Alighieri retratava a cosmologia do universo ptolomaico
em seus poemas. Francesco Redi escreveu poemas que partiam da observação dos
fenômenos naturais. Redi foi um precursor do método científico usado por
Galileu em suas descobertas e análises. E foi justamente a ciência empírica de
Galileu que iniciou uma cisão entre os dois âmbitos culturais – o progresso das
ciências e uma marginalização paulatina das artes. Aliás, Galileu inspirou
Antônio Gedeão (pseudônimo do físico português Rômulo de Carvalho) a escrever
Um Poema para Galileu. Apesar da cisão entre Ciências e as Artes ainda perdurar
em algumas culturas o que vimos foi que, no entanto, cada descoberta
científica, cada nova tecnologia surgida a partir de então, fez emergir novas
formas linguísticas e novas metáforas largamente usadas pelos poetas. Ou seja,
os poetas são loucos por ciências e tecnologias.
BICICLETAS
Ninguém se surpreende com as
bicicletas
duzentos anos depois.
Mas quem explica, corretamente,
como se equilibra
sobre suas duas rodas, em movimento,
e se desequilibra quando parada?
Na poesia brasileira, em particular, podemos ver isso em
vários autores. Augusto dos Anjos fala de Química em seu poema Psicologia de um
Vencido; Murilo Mendes escreve sobre o caos em seu triste poema Estudo para um
Caos; Cecília Meireles também não fugiu a temas de Ciência em Máquina Breve;
Gilberto Gil musicou o poema de Arnaldo Antunes chamado A Ciência em si; Manoel
de Barros tem sua poesia pantaneira como ensinamento de Educação Ambiental nas
escolas. E não posso deixar de citar o poeta Haroldo de Campos, em A Máquina do
Mundo Repensada, de onde extraio esses versos a seguir:
“– einstein então encurva o
espaço: menos
seguro fica o
deus-relojoeiro
da clássica mecânica ou ao
menos
desenha-se outro enredo
sobranceiro
ao de newton: do espaço –
qual sensório
de deus – de um
absoluto-verdadeiro”
(Haroldo de Campos)
São muitos os casos, embora pouco divulgados e comentados,
mesmo nas aulas de Português e Literatura, muito menos em aulas de Ciências. Muita
pesquisa pode ser realizada neste universo das relações entre Poesia e Ciência,
pois o conhecimento das Ciências, e de sua história, contribui para fruição
estética de um poema. Foi assim no passado e continua sendo assim. Como
escreveu Gaston Bachelard em A Poética do Devaneio, “nas horas de grandes achados, uma imagem poética
pode ser o germe de um mundo, o germe de um universo imaginado diante do
devaneio de um poeta”. Ou ainda Deleuze, em Dois Regimes de Loucos: “a
filosofia cria conceitos, a ciência cria funções e a arte cria
percepções e afetos”.
SÍNTESE
Síntese da vida
em quatro palavras:
duas variáveis físicas
(tempo e trajetória);
duas variáveis metafísicas
(vontade e talento).
Todas sem controle remoto.
IA
Será, um dia,
A inteligência artificial
Capaz de escrever poesia?