Paulo Cezar S. Ventura
OLHAR ESTRELAS
Olhar estrelas: hábito útil
para orientar o rumo da singradura
ou simplesmente namorar
quando o mar não está para peixe.
Uma das formas
de se buscar o conhecimento científico e técnico de certa época e determinada
sociedade é através da literatura, pesquisando essas informações nas
entrelinhas da narrativa literária. Já afirmei em texto anterior[i]
que, em Os Lusíadas, publicado em 1572 por Luiz Vaz de Camões, encontramos
vários versos concernentes a referências de eventos astronômicos do Hemisfério
Sul.
O meu interesse
em estudar a presença da Ciência, Tecnologia e Técnica na literatura vem desde minhas
leituras da obra do escritor João Guimarães Rosa, pela riqueza de sua narrativa
da natureza, da água e das estrelas do sertão de Minas Gerais. E a leitura do
livro A Astronomia em Camões[ii],
só veio corroborar meu interesse em ler as obras literárias de vários autores
sob uma perspectiva diferente. Justamente a perspectiva de procurar, nessas
narrativas, citações, explícitas ou não, de referências à Ciência, Tecnologia
e, principalmente, às Técnicas enraizadas na cultura popular de uma época, que poderiam
estar presentes nessas obras de escritores não especialistas.
E uma vez
que a Carta de Caminha[iii]
foi a primeira obra (literatura de informação) escrita no Brasil, a ideia de
começar esta busca pela narrativa de Pero Vaz de Caminha foi uma justificativa
ao menos motivadora.
Escolhi
dois modos de leitura da Carta. Uma leitura focalizando palavras que remetem a
informações sobre as técnicas de navegação e sobre as medidas de espaço e tempo
através da Cartografia e da Astronomia; uma busca e leitura das referências
literárias concernentes à historiografia e à filosofia das técnicas naquele
momento histórico. A leitura, considerando a Carta de Caminha como literatura
de informação, nos remete a uma série de relações entre os homens da época e
suas percepções sobre a ciência e a técnica como as medidas de espaço e tempo,
localizado na necessidade de buscar, armazenar e negociar novas mercadorias, e
no imaginário cristão que considera o domínio do homem sobre a técnica.
(IM)POTÊNCIA
Homem sobre máquina
pensa ter dela a potência:
engana-se. Em imprudência,
perde-se na esquina
da vida, traquina.
Fica a máquina, que o domina.
Esses dois
modos de leitura levam a quatro, ou mais, temáticas de pesquisa possíveis. Como
não estou a escrever um relatório, apenas uma crônica, vou me ater a algumas
curiosidades interessantes, a meu ver, nestas quatro temáticas.
2.
Filosofia
das técnicas naquele momento histórico – a Carta foi escrita em um momento
importante da navegação portuguesa por vários motivos. Um deles é que se iniciava, não apenas em
Portugal, um movimento de distanciamento do saber técnico em relação ao saber
científico. Os astrônomos, que calculavam os meridianos e escreviam as cartas
náuticas se ressentiam das críticas dos marinheiros e pilotos.
3. Semântica das palavras usadas na
Carta - seguindo o critério de busca encontramos várias palavras que fazem
referência a técnicas náuticas, a profissões existentes na área e outras
palavras referentes à navegação em si, como: marinhagem, singraduras,
ancoragem limpa, fazer vela, amainar e, ainda, a expressão “seguir de longo”
referindo-se a um movimento para frente, diretamente.
Na parte
II desta crônica escreverei um pouco mais sobre essas quatro temáticas acima,
trazendo dados interessantes em como a História da Ciência e das Técnicas lidam
com a questão das medidas de espaço e tempo, exatamente por serem cruciais ao
desenvolvimento científico. Escreverei um pouco também como as questões
filosóficas dessas medidas aparecem na literatura de várias épocas.
Nem fim da história
nem fim da geografia,
apenas tempo e espaço.
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