Paulo Cezar S. Ventura
PARA
SE PERDER NO MAR
Objetos
para se perder no mar:
bússolas
para desorientações acidentais;
velas
para se agarrar aos ventos;
cordas
para se amarrar em estrelas;
olhos
para terras que não se avistam
nos
horizontes perdidos das navegações.
Na parte I desta crônica[i]
afirmei que escolhi dois modos de leitura da Carta de Pero Vaz de Caminha,
considerada como literatura de informação. E esses dois modos de leitura
levantaram quatro temáticas sobre as quais pesquisas podem ser feitas. Nesta
segunda parte irei colocar mais alguns pontos destacados em minhas leituras e
irei tecer mais comentários, físico que sou por formação acadêmica, sobre as
questões de medida de espaço e tempo na Literatura. Retomando as quatro
temáticas:
1.
História das técnicas náuticas portuguesas e
europeias:
O Infante Dom Henrique reuniu em Sagres toda sorte de
viajantes conhecedores de Astronomia, Cartografia e Náutica, desde judeus
cristãos novos, comerciantes árabes, cavaleiros do templário expulsos da igreja
católica, a navegadores de várias nacionalidades. E inventores. Ele conseguiu
esse feito em momentos críticos de xenofobias, racismos diversos, caças às
bruxas e Inquisição. E eles se baseavam em uma obra didática recordista de
utilização em todos os tempos, que atravessou séculos. O livro de Johannes de
Sacrobosco, publicado na segunda metade do século XIII, Tratatus de Spherae,
teria tido uma influência muito grande entre os navegadores. Isso aliado ao
conhecimento técnico dos regimes de ventos e das correntes marítimas, deu mais
segurança às navegações.
2.
Filosofia das técnicas naquele momento
histórico:
A carta de Caminha narra com detalhes os acontecimentos
desde a saída da frota de Portugal até o dia de partida das terras brasileiras.
Seu relato é minucioso, tem o talento descritivo de um etnógrafo. Como
literatura de informação, a carta não é pródiga em metáforas, o que a
diferencia de textos literários, mas está plena de suposições e de crenças de
seu autor, deixando claro seu pensamento aristotélico, pensamento vigente na
época, claro, além de sua filosofia cristã ao interpretar todos os gestos da
população local como esvaecida de espiritualidade, quase como animais e que,
portanto, estavam habilitadas a se cristianizar bastando, para isso, que o rei
de Portugal enviasse padres e clérigos para a catequese desses.
3.
Semântica das palavras usadas na Carta
Uma interessante curiosidade do relato é que, em dado ponto,
Caminha afirma que os nativos levavam nas mãos seus “cascavéis”. Ora, a cobra
cascavel era desconhecida dos portugueses. De onda a palavra? Trata-se, na
verdade, dos chocalhos indígenas, que em Calecute, destino final de Vasco da
Gama, chamavam-se “cascavéis”.
4.
A questão das medidas de espaço e tempo na
história das ciências
O
Tempo não ocupa lugar no Espaço.
Se tens Tempo, tens Tempo,
não um lócus cartesiano.
Observa-se, na Carta, que Caminha não usa medida de tempo
para se referir a um deslocamento do navio, sempre uma medida de distância. Por
exemplo, em dado momento Caminha[ii]
relata que “andamos todo aquele dia em calma, obra de três a quatro léguas”. Medidas
de tempo, na época, eram feitas através de ampulhetas, relógios de areia que, a
cada meia hora se esgotavam e deviam ser invertidas. Essa medida com a
ampulheta era combinada com a observação do movimento do sol, quando possível. A
inexistência de medida de tempo com mais precisão dificultava as medidas de
posição no mar, mais exatamente as medidas de longitude, pela necessidade de se
conhecer as horas em diversos locais diferentes, o que só veio a ocorrer com a
invenção do cronômetro em 1735, por John Harrison, vencedor de um concurso lançado
pelo parlamento inglês em 1714. Era natural, portanto, que as medidas de tempo
e espaço se superpusessem.
O tempo sempre esteve presente, de forma implícita ou
explícita, em todas as narrativas literárias. E as narrativas são influenciadas
pelas definições e entendimento das medidas de tempo nas ciências físicas. Zigmunt
Baumman[iii],
por exemplo, afirma que a substituição das medidas de espaço por medidas de
tempo, são um marco da modernidade. O que nos permite remeter à data de 1735,
com a apresentação do cronômetro H1, de John Harrison. Seria esse o início
dessa modernidade “líquida”, como sugere Baumman? E tudo muda de novo com o
advento da Física Quântica, que volta a considerar as medidas de tempo e espaço
interligados. E como fica o tempo, hoje, nas narrativas literárias?
“O
tempo que eu hei sonhado
Quantos
anos foi de vida!
Ah,
quanto do meu passado
Foi
só a vida mentida
De
um futuro imaginado!
(Fernando
Pessoa)
http://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/imaginario-tecnologico-na-carta-de-caminha-parte-i/
[ii] CAMINHA, Pero Vaz de. A Carta de
Pero Vaz de Caminha: reprodução fac-similar do manuscrito com leitura
justalinear. São Paulo: Humanitas, 1999
[iii] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
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