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sexta-feira, junho 02, 2017

PADRÕES ÉTICOS E DEONTOLÓGICOS EM COACHING

Master Coach Senior Paulo Cezar S. Ventura, D.Sc
Master Coach Senior Fátima Sobral Fernandes, D.Sc


Este texto foi produzido a partir de uma reflexão mútua sobre nossa experiência em peer coaching por termos sentido necessidade, desde nossa formação conjunta em master coaching, de interagirmos no papel de interlocutores privilegiados para que pudéssemos trocar ideias e aprofundar nosso aprendizado diante da realidade de nossos coachees.

Trata-se de abordar algumas questões relacionadas à ética, à moral e à deontologia específica, muitas delas referentes à regulamentação e ao código de conduta do exercício profissional.  Desde já fica o convite para que cada um dos leitores deixe seus comentários e contribuições a cerca de tema tão complexo e polêmico.

Ética profissional

Na maioria das cerimônias de formatura, assiste-se a um juramento dos formandos, momento em que eles declaram suas disposições de seguir certos padrões de conduta no desenvolvimento da profissão. Pelo menos o que afirmam naquele momento é um resumo, em poucas palavras, do que se espera dos formandos no exercício profissional ao qual ingressam a partir daquele dia. Passada a festa, o que acontece, de fato?

Cabe aqui, preliminarmente, definir a diferença entre ética, moral e deontologia.  Ética é a ciência da moral, isto é, uma disciplina filosófica que tem por objeto de estudo os julgamentos de valor na medida em que estes se relacionam com a distinção entre o bem e o mal.  Ética é uma palavra de origem grega (éthos), que significa “propriedade do caráter”.  Ser ético é agir dentro dos padrões convencionais, é proceder bem, é não prejudicar o próximo.

Moral, por sua vez, trata dos costumes e dos deveres do homem para com o seu semelhante e para consigo mesmo. Ela varia de sociedade para sociedade e ao longo do tempo em função das permanentes mudanças sociais.

Deontologia, entretanto, é o conjunto de deveres impostos a certos profissionais no cumprimento da sua função, como, por exemplo, a deontologia dos médicos ou a dos jornalistas, uma espécie de moral específica. Assim, código deontológico é um conjunto de critérios de decisão para bem agir profissionalmente.

Na verdade, a tão mencionada ética profissional está associada a um código deontológico, isto é, a um conjunto de valores e normas de comportamento e de relacionamento ao qual o profissional, recém formado ou não, deve seguir, por princípio.

Valores são escolhas pessoais, sem dúvida, sobre como se comportar.  Espera-se, entretanto, que os profissionais tenham valores e virtudes que os coloquem dentro de padrões morais  esperados no trato com a sociedade e  outros valores e virtudes específicos relacionados aos padrões de conduta de cada profissão.

Ter uma boa conduta profissional é ter sabedoria para construir boas relações no ambiente de trabalho, com pares, chefes e subordinados e com clientes diretos e indiretos. É também contribuir para a formação de uma imagem positiva da instituição na qual trabalha ou é associado perante todos os stakeholders, bem como contribuir com responsabilidade social para legitimar a atuação de sua categoria profissional.

Bons ambientes de trabalho, onde as relações são éticas, elevam o nível de confiança entre as pessoas, o que reflete diretamente nos índices de qualidade e produtividade de todos. Desnecessário dizer que comportamentos antiéticos prejudicam o clima de trabalho e o rendimento de pessoas e equipes.

Pautar sua prática pela boa conduta profissional de sua categoria significa também construir relações de boa qualidade dentro e fora do ambiente de trabalho, difundir confiança, alcançar resultados concretos nos projetos e ter maior probabilidade de conquistar sucesso no desenvolvimento da carreira.

Alguns dos principais valores que ajudam os profissionais a ter êxito e conquistar a confiança dos clientes, são:

  1. Respeito: Respeitar para ser respeitado é premissa básica. Valorizar o ser humano acima de tudo e apostar em seu melhor, qualquer que seja sua raça, credo, gênero ou qualquer outra característica. Acolher sua condição existencial para apoiá-lo a promover a mudança que desejar. Respeitar a  hierarquia na empresa, o trabalho dos colegas sem interferir negativamente no ambiente é sempre uma boa regra.
  2. Honestidade: Falar a verdade e assumir a responsabilidade pelos próprios erros e falhas, o que ajuda a aprender com os erros ao invés de procurar possíveis culpados invisíveis.
  3. Confidencialidade: Garantir que o resguardo das informações recebidas pessoalmente em confiança seja mantido e elas protegidas contra a sua revelação não autorizada. Algumas informações do ambiente de trabalho são sigilosas e é fundamental que esta condição seja respeitada.
  4. Imparcialidade: Diferenciar as relações pessoais das profissionais, julgando com isenção e senso de justiça, nunca tomando partido em situações conflitantes sem a devida análise, baseada em fatos e dados, e nunca com base em afinidades pessoais.
  5. Prudência: Prever e procurar evitar inconveniências e perigos agindo  cautelosamente, com ponderação e sensatez ao tratar de assunto delicado ou difícil.
  6. Diligência: Mostrar interesse cuidadoso aplicado na execução, com presteza, de uma tarefa.
  7. Paciência: Manter brandura, suavidade e generosidade na maneira de expressar-se;
  8. Humildade: Reconhecer seu espaço e papel dentro da organização e estar atento aos seus limites e possibilidades.

Algumas profissões têm conselhos de representação que criam códigos deontológicos em sua área de atuação. Exemplos muito conhecidos são a OAB, Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA), bem atuantes nessas profissões.

A importante função desses códigos deontológicos é padronizar procedimentos operacionais e condutas de comportamento gerando segurança nos profissionais e nos usuários dos serviços.

No caso de empresas e organizações, os padrões éticos e profissionais são, em geral, ditados pelo senso comum e pelos códigos de ética e conduta institucional de suas associações, federações e confederações como CNA, CNI, CNT, entre outras...

O senso comum funciona muito bem no caso da maioria de empresas pequenas, mas as grandes empresas adotam um código de conduta organizacional para padronizar procedimentos de trabalho e estabelecer regras e valores de forma igualitária em todas os seus departamentos e seções. Em algumas empresas, há até canais de comunicação entre os diversos setores em que se pode até mesmo fazer denúncias anônimas sobre condutas antiéticas e descumprimento de normas dentro do ambiente de trabalho e fora dele.  As grandes empresas tem também criado o canal ombudsman de comunicação direta com os clientes, para, entre outras funções, receber denúncias de desrespeito à ética na relação com qualquer dos stakeholders.

No Brasil contemporâneo, assiste-se o preço que está sendo pago por diversas instituições por terem rompido seus códigos de boa conduta profissional e institucional.  Em uma breve pesquisa em buscadores na internet, verifica-se que as Confederações Nacionais Empresariais estão atualizando ou mesmo criando seus códigos de conduta recentemente.  E o que ocorre no âmbito da profissão de coach neste campo?.

A regulamentação da profissão de coach e seu código deontológico

O coaching entrou devagarinho no Brasil e teve um grande crescimento nos últimos dez anos. É uma das profissões que mais cresce no país e escolas de formação de coaches surgem todos os dias.

A profissão de coach não é regulamentada em nenhum lugar do mundo por uma série de razões, entre elas, por ser multidisciplinar e usar técnicas e procedimentos de várias ciências e tecnologias, desenvolvidas originalmente  por outras profissões. Por ter várias abordagens diferentes e vários segmentos de atuação que requerem profissionais de diferentes formações, com seus códigos deontológicos específicos, fica difícil regulamentar a profissão sem deixar algumas nuances e abordagens de fora.
A formação de coach caracteriza-se por ser independente, de caráter livre e profissionalizante, sendo os seus profissionais formados por Escolas e Institutos independentes, não vinculados ao sistema educacional supervisionado pelo MEC.
Apesar de manter interfaces com várias profissões pela utilização de conhecimentos filosóficos e científicos comuns a diversas áreas do conhecimento é, em algum momento, tratada como área de especialização de alguns profissionais como, por exemplo, os Psicólogos, Educadores Físicos, Nutricionistas, Administradores e Engenheiros. Todavia, não se limita à especialidade de nenhuma delas, constituindo-se em uma atividade autônoma e independente, podendo o profissional ter formação originária diversa.
O coach precisa dominar conhecimentos de filosofia, de sociologia, de psicologia, de administração etc.. Tem por finalidade empoderar sujeitos para apoiá-los na transformação de suas realidades, saindo de um estado situacional para outro desejado, em certo espaço de tempo e a um certo custo financeiro e psíquico, fazendo uso de metodologias oriundas das ciências e tecnologias citadas. Por isso alguns teóricos consideram o coaching uma Tecnologia Social.

Esta pluralidade de atuações requer, ao se pensar em estabelecer um código de regulamentação do exercício profissional, compatibilizar todos os códigos de exercício profissional específicos, já que ser coach é para profissionais com algum grau de experiência anterior em suas profissões, o que remete a uma carreira de especialização e não de graduação em si, o que por si só já relativiza a necessidade de existência desta regulamentação.

O lado negativo da não regulamentação, em qualquer profissão, é a não  existência de um órgão fiscalizador da formação e do exercício profissional, pois há sempre pessoas que sabem tirar proveito das circunstâncias em dado momento em benefício de seus próprios interesses no mercado em que atuam, sem as devidas considerações deontológicas.

Qualquer mercado atrai esse tipo de pessoa que se aproveita da boa fé de outrem que não conhece bem o assunto e que contrata serviço de formação ou especialização profissional apenas por ouvir falar ou pela influência do bombardeio da comunicação digital praticada por alguns desses atores do cenário descrito. E no mercado coaching acontece de modo similar.

Para diminuir o impacto negativo dessas pessoas no exercício profissional, as instituições de formação em coaching e as associações profissionais criam mecanismos de proteção do consumidor por meio de certificações e acreditações de qualidade emitidos por empresas e órgãos independentes e internacionais, como a International Coach Federation, a Global Coaching Community, a International Association of Coaching  e outras. Essas instituições criaram códigos de ética e de conduta profissional e tem canais abertos para clientes insatisfeitos com seus respectivos processos.

Código Deontológico em Coaching

Diante do descrito anteriormente existe um código de conduta profissional para o Coach? Sim, mas não apenas um. Existem vários códigos de conduta a serem seguidos pelos coaches. O de sua profissão original, o da instituição em que se certificou como coach e as leis e regras da sociedade em que vive, afinal, padrões culturais e morais existem em todas as sociedades para permitir um convívio social equilibrado.

Deve-se observar que os códigos de conduta profissional sempre tratam de várias questões importantes tanto profissionais quanto de convívio social. Um código de conduta profissional nunca é completo, sempre há novas questões que surgem na labuta diária, a sociedade se transforma cotidianamente, as profissões se renovam e os códigos de conduta profissional precisam acompanhar essas mudanças.

No entanto, em linhas gerais, mesmo as novidades se encaixam em algumas destas questões já nomeadas. São elas: questões de responsabilidade; questões de competência; questões de exercício profissional; questões de conflito de interesses e questões de disciplina em relação ao código.

O coach deve estar certificado para o exercício da profissão, sentir-se apto para  se autorizar a praticá-la, inicialmente supervisionado por outro coach ou, em outros momentos, quando os casos de seus coachees assim requererem, e se sentir capacitado a utilizar todas as ferramentas cabíveis em sua especialização.

As principais instituições formadoras e certificadoras do mundo preconizam certas diretrizes deontológicas que reúnem valores como os já citados anteriormente, bem como normas de conduta do coach com relação à sua atuação profissional, condizentes com as questões enumeradas acima. Entre estas normas de conduta destacam-se as seguintes:

  1. Respeitar as Afirmações Universais de Direitos Humanos, que conceituam a proteção do ser humano no contexto das relações entre o indivíduo e a sociedade.
  2. Respeitar a subjetividade do coachee, seus valores e crenças, suspendendo todo e qualquer julgamento.
  3. Buscar o bem comum e contribuir com serviços de excelente qualidade para o fortalecimento e o desenvolvimento saudável das pessoas e da sociedade..
  4. Utilizar procedimentos que despertem realizações pessoais e profissionais e resultados positivos, promovendo a melhoria da qualidade de vida humana e organizacional dentro de seu campo de competência.
  5. Sugerir outras abordagens profissionais para solução de problemas específicos não competentes à função do coach.
  6. Manter sigilo e confidencialidade sobre toda informação obtida em processos de coaching, reconhecendo que são propriedade do cliente e que, para ser utilizada, se faz indispensável seu consentimento.
  7. Buscar seu desenvolvimento contínuo, sua constante atualização profissional e evolução pessoal, exercendo a profissão com metodologias e procedimentos de desenvolvimento multidisciplinares adequados a cada caso.
  8. Assegurar uma colaboração harmoniosa e confiável com os seus clientes. A colaboração tem de ser uma decisão livre do cliente desde a concordância mútua dos objetivos até estes terem sido concretizados.
  9. Aceitar apenas tarefas para as quais têm conhecimentos e experiências profissionais necessárias. Caso ocorram situações especiais em que a competência do coach não seja suficiente, solicitar o apoio de um colega ou recomendar a ajuda de um especialista.
  10. Informar imediatamente os seus clientes quando se tornar ciente de algum conflito de interesses diretamente relacionados ao coachee ou à empresa onde trabalha.
  11. Encerrar o processo de coaching quando houver ameaça de existir envolvimento em atividades ilegais.
  12. Recorrer à mediação de terceiros, coaches ou instituições experientes, ou ainda a justiça, no caso de conflitos entre envolvidos nos processos, após tentativas de acordos amigáveis.
  13. Respeitar os direitos de autor quanto às ideias e às publicações de colegas e só usar estes materiais indicando as fontes.
  14. Acordar pagamentos e honorários, antes de começar o processo de coaching, adequados ao serviço prestado e à sua competência profissional.
  15. Abster-se de usar publicidade desleal e enganosa. Apresentar suas qualificações correta e honestamente considerando a sua experiência e competência.

Para elaborar este texto, foi realizada pesquisa sobre códigos deontológicos em coaching existentes em língua inglesa, francesa, espanhola e portuguesa. Foram encontrados diversos códigos desenvolvidos por associações ou federações profissionais nacionais e internacionais e por escolas de formação com o intuito de disciplinar a prática profissional como apresentado anteriormente.

Pela complexidade do exercício dessa profissão, esses códigos também apresentam restrições identificadas pelos coaches que enfrentam conflitos éticos e a eles recorrem para resolvê-los. Encontra-se, nos achados da pesquisa, referência a três tipos principais de restrições: o código não apresenta aspectos relevantes que ajudem a resolver o conflito enfrentado, o código tem falhas ou o código é um obstáculo para a ética do coach.

A legitimidade subjacente, eficácia e questões de valor mostram que os códigos não ajudam a resolver todas as situações ou não orientam a todos os praticantes. Recomenda-se, então, que a leitura deste artigo seja de orientação, sem caráter normativo, para melhor refletir sobre a natureza subjetiva e social do coaching e orientada para o valor do processo de reflexão sobre dilemas éticos relacionados ao exercício profissional.

Em particular, sugere-se usar um tom interrogativo e realizar mais estudos de caso sobre o tema pois, como pode ser percebido, o assunto é complexo, ainda que se recomende assumir os compromissos firmados na formação, assim como os recém formados o fazem em sua  formaturas de fim de curso.

ALGUMAS REFERÊNCIAS

-Allan J., Passmore J., Mortimer L. (2011). Coaching ethics: Developing a model to enhance coaching practice. In Passmore J. (Ed.), Supervision in coaching: Supervision, ethics and continuous professional development (pp. 161-173). Philadelphia, PA: Kogan Page.
-Bolton G. (2001). Reflective practice writing and professional development. London, England: Chapman.
-Diochon, Pauline F. and Nizet, Jean. Ethical Codes and Executive Coaches.