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segunda-feira, novembro 07, 2011

EM QUE PENSAM OS FETOS?


Boris CYRULNIK, Les Nourritures Affectives, Éditions Jacob, Paris, 1993.
Capítulo II – À qoui pensent les foetus? Pág.51.

Tradução: Paulo Cezar Santos Ventura 
pcventura@gmail.com

Em que pensam os fetos?

"Para se fabricar uma criança, tomar o sêmen masculino, aquecê-lo no doce fogo do ato sexual, sacudir suavemente, depois esperar que o coalho se solidifique no ventre da mulher, onde se aglomeram suas partículas de matéria viva.

Vocês terão certamente observado que esta receita para fabricar uma criança só pode ser pensada em uma cultura onde se fabricam queijos. A fabricação de queijo serve de modelo explicativo à fabricação de crianças. Vocês constatarão que, aplicando ao pé da letra esta receita, vocês poderão efetivamente fabricar uma criança, tanto as teorias são eficazes, mesmo quando elas são falsas.

Cada cultura inventou suas receitas e funcionam todas. Basta constatar o aumento da população mundial. A analogia entre a fabricação de crianças e a fabricação de queijos foi utilizada para dar forma de recito a uma concepção camponesa da concepção de crianças. O pensamento metafórico permite dar, com imagens, a impressão de compreender o fenômeno. Mas para compreender uma causa será preciso outros métodos. Pode-se imaginar, em nosso contexto cultural, o modelo que criará em nós esta agradável impressão de compreender.

A metáfora do leite coalhado não dirá nada a um Marciano que, como cada um o sabe, se alimenta de aço fundido. A fabricação mítica dos pequenos marcianos será mais bem contada em um recito de fusão do aço, suavemente escorrendo dentro de um alto forno para se misturar às secreções de Titane (a mulher de Titan).

Ainda no mesmo capítulo, na página 53...

Desde Hipócrates, a teoria médica explica a geração como o resultado da mistura de semens. A ausência da observação direta deixa livre curso às mais loucas imaginações. “Quando os dois semens tenham sido lançados, o homem não deve imediatamente se separar da mulher para que não entre ar na matriz e não altere os semens”.

Foi preciso esperar o século dezoito para que alguns médicos parteiros tentassem a descrição da anatomia do feto e seus envelopes. Esta observação direta, esta percepção só tornada possível na Renascença, muda a maneira de se representar a gravidez. O fato de se compreender que as duas vidas, da mãe da criança, são ligadas biologicamente, conduz ao nascimento da teoria dos desejos: “Se uma mulher deseja com um furor cego comer coisas contrárias à sua saúde, e se ela não satisfizer o desejo, a criança nascerá marcada por aquilo que ela teria desejado”."

Como podem observar, o texto é uma agradável alegoria em torno da analogias e metáforas e sobre a observação como metodologia de criação de conceitos e concepções.


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